A Força dos Coletivos Literários
- Silvio Carneiro
- 1 de set. de 2024
- 10 min de leitura
Transformando Narrativas e Fortalecendo Vozes Marginalizadas

Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um florescimento significativo dos coletivos literários, grupos que, unidos pela paixão pela escrita, têm transformado o cenário literário contemporâneo. Esses movimentos surgem como uma resposta à necessidade de maior representatividade e inclusão, abrindo espaço para vozes que muitas vezes são silenciadas pelas dinâmicas tradicionais do mercado editorial. A literatura brasileira, em sua diversidade de estilos e temáticas, ganha nova vitalidade à medida que coletivos se organizam para produzir, divulgar e promover obras que refletem as múltiplas realidades do país.
Entre esses coletivos, destacam-se o Mulherio das Letras que, após consolidar-se em diversas regiões do Brasil, está em processo de formação no Amapá através do grupo Matinta Pereira. O Mulherio das Letras nasceu com o objetivo de dar visibilidade às escritoras brasileiras, criando uma rede de apoio e divulgação para que suas obras alcancem um público mais amplo. No Amapá, o grupo Matinta Pereira busca inserir a literatura feminina produzida no estado nessa rede nacional, fortalecendo a presença das vozes femininas no cenário literário nacional.
Outro exemplo significativo é a Periferia Literária Brasileira (PBL), uma rede que conecta escritores e coletivos de periferias e regiões marginalizadas de todo o país. A PBL luta por uma maior democratização do acesso ao mercado editorial, criando pontes entre autores, leitores e espaços culturais. Neste mês de agosto, a PBL deu um passo importante ao integrar o Coletivo Juremas, do Amapá, à sua rede, ampliando ainda mais o alcance e a representatividade da literatura periférica no Brasil.
Esses movimentos são essenciais para a democratização da literatura, pois trazem à tona histórias, perspectivas e experiências que, de outra forma, poderiam permanecer invisíveis. Ao se organizarem coletivamente, esses autores e autoras encontram força para desafiar as barreiras impostas pelo mercado editorial tradicional, para contar suas histórias de maneira autêntica e potente. O crescimento dos coletivos literários, como o Mulherio das Letras, a PBL e o Coletivo Juremas reafirma a importância de uma literatura que represente a diversidade de vozes e experiências presentes em todo o país.
Histórico e Importância dos Coletivos Literários
Os coletivos literários têm se consolidado como forças transformadoras no cenário literário brasileiro, surgindo como uma resposta direta às demandas por maior representatividade e inclusão. Historicamente, a literatura no Brasil foi dominada por uma elite cultural que controlava as narrativas publicadas e distribuídas, o que resultou na marginalização de diversas vozes, especialmente aquelas provenientes de grupos sociais sub-representados, como mulheres, negros, indígenas e moradores de periferias urbanas.
A emergência dos coletivos literários é, portanto, uma reação a essa exclusão histórica. Esses grupos nascem da necessidade de criar espaços onde autores e autoras possam expressar suas experiências e visões de mundo sem as limitações impostas pelas grandes editoras ou pelos círculos literários tradicionais. Ao se organizarem coletivamente, escritores que compartilham experiências de opressão e invisibilidade encontram nos coletivos um ambiente acolhedor e propício para o desenvolvimento de suas obras.
A busca por representatividade é um dos pilares fundamentais dos coletivos literários. Ao reunir escritores com identidades e vivências diversas, esses grupos buscam garantir que suas histórias sejam contadas e reconhecidas como parte integral da literatura nacional. A literatura produzida nesses espaços não só amplia o leque de narrativas disponíveis, como também promove uma reflexão crítica sobre questões sociais, culturais e políticas. Dessa forma, os coletivos atuam como agentes de mudança, desafiando as normas estabelecidas e ampliando o conceito do que é considerado literatura.
Os coletivos literários também desempenham um papel crucial na inclusão de novos autores no mercado editorial. Muitos escritores que participam desses grupos encontram ali a oportunidade de publicar suas obras, muitas vezes através de antologias coletivas ou edições independentes. Esse modelo colaborativo de publicação facilita o acesso à publicação para aqueles que estão à margem do mercado e fortalece o senso de comunidade e apoio mútuo entre os membros do coletivo.
Além disso, os coletivos literários têm o poder de romper com as estruturas tradicionais da literatura ao introduzir novas formas de narrativa e expressão artística. Ao se afastarem dos padrões convencionais, esses grupos experimentam com a linguagem, o formato e o conteúdo, criando obras que são ao mesmo tempo inovadoras e profundamente enraizadas nas experiências de seus autores. Esse espírito de experimentação é essencial para a renovação constante da literatura, permitindo que ela evolua e se adapte às mudanças sociais.
O Mulherio das Letras e o Grupo Matinta Pereira
O Mulherio das Letras é um movimento literário que teve início em 2017, idealizado pela escritora Maria Valéria Rezende, com o objetivo de dar visibilidade e voz à produção literária feminina em um cenário historicamente dominado por autores homens. Desde sua criação, o coletivo vem crescendo em diversas regiões do Brasil, consolidando-se como uma rede de apoio mútuo entre escritoras, editoras, pesquisadoras e leitoras, que se unem para promover a literatura feita por mulheres e para criar espaços de diálogo e pertencimento. Prova do sucesso foi a premiação do Mulherio das Letras Indígenas que ganhou o prêmio Jabuti no ano passado com o Álbum Biográfico Guerreiras da Ancestralidade, na categoria Fomento à Leitura.
No Amapá, o espírito do Mulherio das Letras encontrou eco no Grupo Matinta Pereira, que surgiu como uma extensão regional desse movimento nacional. A escolha do nome não foi por acaso: a Matinta Pereira, figura mitológica da Amazônia, simboliza a sabedoria e o poder das mulheres, atributos que o grupo busca destacar e valorizar na literatura produzida pelas autoras do estado. Para marcar a inauguração oficial dessa iniciativa, será realizado o I Encontro Mulherio das Letras Amapá - Matinta Pereira, de 11 a 13 de setembro de 2024, em Macapá.
Organizado por três escritoras e ativistas literárias locais —Amanda Barreiros, Iramel Lima e Leacide Moura —, o encontro promete ser um marco na valorização da literatura feminina no Amapá. O evento tem como objetivo promover e destacar a rica literatura de autoria feminina produzida no estado, celebrando as diversas vozes das escritoras locais e ampliando sua contribuição para o cenário literário regional e nacional.
Durante o encontro, as participantes terão a oportunidade de interagir com a escritora Marta Cortezão, poeta, articuladora e ativista da literatura de autoria feminina, que reside na Espanha desde 2012. Marta Cortezão tem se destacado por seus projetos de divulgação e promoção da literatura produzida por mulheres, e sua presença no encontro trará reflexões valiosas sobre os desafios e as conquistas das autoras contemporâneas.
Além das discussões e trocas de experiências, o evento incluirá o lançamento da Antologia II Tomo das Bruxas – Corpo & Memória, uma coletânea de poemas em Língua Portuguesa organizada por Marta Cortezão em parceria com a editora Toma aí um Poema (TAUP/Curitiba-PR). Esta antologia conta com a contribuição de autoras do Brasil e do exterior, incluindo escritoras do Amapá, e é uma oportunidade de dar ainda mais visibilidade à produção literária feminina do estado.
Em entrevista, Leacide Moura, uma das organizadoras do evento, falou sobre as motivações para criar o Grupo Matinta Pereira e realizar o encontro: "Sentimos que havia uma necessidade urgente de um espaço onde as escritoras do Amapá pudessem se reunir, trocar experiências e se fortalecer mutuamente. O Mulherio das Letras nos deu a inspiração e a estrutura para isso, e o nome Matinta Pereira carrega a força e a ancestralidade das mulheres amazônicas, o que é fundamental para nós."
Leacide ressaltou ainda a importância do evento para o futuro da literatura feminina no estado: "Esse encontro é apenas o começo. Queremos criar uma rede de apoio contínuo para as escritoras do Amapá, promover nossos livros e nossas histórias, e garantir que as vozes das mulheres daqui sejam ouvidas e respeitadas. A literatura feminina tem muito a contribuir, e estamos determinadas a abrir mais espaços para essa produção."
O I Encontro Mulherio das Letras Amapá - Matinta Pereira promoverá debates e atividades que buscam fortalecer a comunidade literária feminina no estado. Com uma programação diversificada que inclui mesas redondas, oficinas, saraus culturais e o lançamento de uma antologia, o evento se coloca como um importante passo para a consolidação da presença feminina no cenário literário amapaense e além.
A Rede Periferia Literária Brasileira (PBL)
A Rede Periferia Literária Brasileira (PBL) surgiu para criar um espaço de visibilidade e integração entre escritores e coletivos literários das periferias e regiões marginalizadas do Brasil. Formada por 14 coletivos em 10 estados (RJ, SP, MG, BA, CE, PE, DF, RS, AP e PA), a PBL promove uma literatura que reflete as realidades periféricas, conectando vozes ignoradas pelo mercado editorial tradicional.
Integrada à Cooperação Social da Fiocruz, a PBL atua em políticas públicas saudáveis, reconhecendo que saúde vai além da ausência de doenças, envolvendo bem-estar físico, mental e social. A promoção da educação e cultura de qualidade é vista como fundamental para a cidadania e redução de desigualdades, reforçando a importância da literatura periférica na governança territorial democrática.
Entre as atividades da PBL estão oficinas de escrita criativa, cursos de formação e debates que capacitam novos escritores. Os saraus em comunidades periféricas oferecem espaço para que autores compartilhem suas obras, criando uma conexão direta entre escritor e público. Além disso, a rede publica coletâneas e antologias, dando visibilidade a escritores periféricos que enfrentam barreiras no mercado editorial convencional.
O impacto da PBL tem sido significativo, ampliando o acesso à literatura, fortalecendo coletivos literários e inserindo vozes periféricas na cena nacional. A rede promove uma literatura que desafia narrativas tradicionais, contribuindo para um cenário cultural mais inclusivo e reforçando o papel da cultura na promoção da saúde e cidadania.
Dessa forma, a PBL reafirma a literatura como ferramenta de transformação social e ressignifica o conceito de "literatura brasileira", promovendo equidade, diversidade e uma cidadania cultural ativa.
O Coletivo Juremas e sua Inclusão na PBL

Estive com o Coletivo Juremas, e foi um papo muito gostoso. Conversamos sobre a história, as conquistas e os planos desse grupo incrível de mulheres artistas do Amapá. O Coletivo Juremas nasceu da vontade de unir vozes femininas de multartistas do estado, criando um espaço onde a arte feita por mulheres pudesse florescer, ser potencializada e valorizada. “Somos poetas, escritoras, atrizes, dançarinas e artistas visuais que encontraram, na união, a força para promover a cultura e a ancestralidade brasileira”, conta Carla Nobre, poeta, escritora e idealizadora do coletivo. "No Juremas, desenvolvemos desde a criação literária até performances poéticas, teatrais, literomusicais e visuais. Organizamos oficinas, recitais, exposições e eventos culturais que celebram e conectam nossas raízes culturais à nossa arte, sempre com o propósito de dar visibilidade às expressões artísticas femininas".

O ingresso do Coletivo Juremas na Rede Periferia Literária Brasileira (PBL), em agosto, foi um marco importante para o grupo. “Nosso ingresso na Periferia Brasileira de Letras (PBL) foi um marco importante para nós. Quando fomos selecionadas na Chamada Norte, junto com outro coletivo do Pará, sentimos que nossa voz, que vem da periferia do Norte, estava ganhando uma nova dimensão. O Norte é uma grande periferia, e fazer parte dessa rede nos deu a chance de ampliar nossa atuação e fortalecer nossa luta por representatividade. Unir-nos à PBL foi uma oportunidade estratégica para trocar experiências, aprender com outros coletivos e, principalmente, mostrar ao Brasil a nossa história. Queremos que nossa arte ressoe em todo o país, e ingressar na PBL é um passo nesse caminho”, destaca Hayam Chandra, poeta, atriz e uma das organizadoras do coletivo.
Com essa nova parceria, o Coletivo Juremas tem grandes expectativas. “Queremos expandir a presença do Juremas para além do Amapá, levando nossas ações e projetos artísticos para outros espaços culturais. Nossa meta é criar projetos culturais que enriqueçam a produção artística não só do nosso coletivo, mas de todos os que fazem parte da PBL. Acreditamos que essa troca pode fortalecer a arte periférica no Brasil, inspirando outras mulheres e coletivos a se engajarem na luta por mais diversidade e inclusão. Estamos animadas para ver até onde essa parceria pode nos levar e o impacto que podemos gerar”, comenta Ana Anspach, poeta e assessora de comunicação do coletivo.
Nos planos futuros, o Juremas está focado em colaborações dentro da rede PBL. “Dentro da PBL, estamos focadas em colaborar com outros coletivos para promover a arte periférica em todas as suas formas. Planejamos publicar livros, organizar exposições, realizar performances coletivas, e criar oficinas que dialoguem diretamente com as realidades das periferias. Atualmente estamos realizando a pesquisa PBL que está na etapa qualitativa. Estamos entrevistando oito coletivos do Amapá, abrangendo grupos de Macapá, Santana, Mazagão Novo e Velho, Tartarugalzinho e Oiapoque. Essa pesquisa é fundamental para entendermos melhor as necessidades e oportunidades que temos, e para direcionar nossas ações de forma a fortalecer ainda mais a arte periférica no nosso estado e no Brasil”, finaliza Carla Nobre.
O Coletivo Juremas é um exemplo vibrante de como a união de mulheres pode transformar e potencializar a produção cultural em contextos periféricos, e a inclusão na PBL abre novos caminhos para que essas vozes sejam ouvidas e valorizadas em todo o país.
Desafios e Perspectivas dos Coletivos Literários
Os coletivos literários, que têm se tornado espaços fundamentais para a expressão cultural e a democratização da literatura no Brasil, enfrentam desafios significativos. Entre os principais obstáculos, a falta de recursos financeiros se destaca como um dos maiores entraves. Muitos desses grupos são formados por artistas independentes e periféricos que, apesar de possuírem um imenso talento e criatividade, encontram dificuldades para financiar suas atividades, como a publicação de livros, a organização de eventos e a manutenção de espaços culturais.
A visibilidade é outro grande desafio. Em um país onde as grandes editoras e eventos literários estão concentrados nos grandes centros urbanos, principalmente no Sudeste, os coletivos literários de regiões periféricas e marginalizadas precisam lutar para que suas vozes sejam ouvidas e suas produções, reconhecidas. Essa falta de visibilidade está diretamente ligada ao apoio institucional, que é muitas vezes insuficiente ou inexistente. Sem políticas públicas consistentes que promovam e financiem a cultura local, esses coletivos ficam à mercê de iniciativas esporádicas ou precisam depender exclusivamente de esforços autossustentáveis, o que limita enormemente seu alcance e impacto.
Apesar dos desafios, os membros desses coletivos mantêm uma visão esperançosa sobre o futuro da literatura no Brasil. Eles acreditam que, com a crescente valorização da inclusão e diversidade, a literatura produzida nas periferias e regiões marginalizadas ganhará cada vez mais espaço. O surgimento de redes como a Periferia Literária Brasileira (PBL) é visto como um avanço significativo nesse sentido, ao criar conexões entre diferentes coletivos, facilitando o compartilhamento de recursos, experiências e oportunidades. Para muitos, o futuro da literatura no Brasil passa pela descentralização da produção literária e pelo fortalecimento desses grupos que dão voz a uma multiplicidade de histórias e perspectivas que, de outra forma, poderiam permanecer invisíveis.
É fundamental refletir sobre a importância de apoiar e fortalecer os coletivos literários como uma forma de enriquecer o panorama cultural brasileiro. Eles são mais do que espaços de produção artística; são verdadeiros pontos de resistência cultural que desafiam as narrativas hegemônicas e promovem uma literatura plural, inclusiva e representativa da diversidade brasileira.
Para leitores, escritores e a sociedade em geral, há diversas maneiras de se envolver e apoiar esses movimentos. Participar de eventos organizados por coletivos, como saraus e feiras literárias, é uma forma de prestigiar e dar visibilidade a essas iniciativas. Adquirir publicações independentes produzidas por esses grupos também é crucial, pois gera recursos que ajudam a manter suas atividades. Além disso, divulgar o trabalho dos coletivos em redes sociais e outros espaços pode ampliar significativamente seu alcance. Para aqueles que possuem recursos financeiros, apoiar financeiramente esses grupos, seja por meio de doações, financiamento coletivo ou patrocínios, é uma maneira direta de contribuir para a continuidade e crescimento dessas iniciativas.
Por fim, é essencial que o poder público e as instituições culturais reconheçam e apoiem o valor dos coletivos literários, criando políticas que garantam a sustentabilidade dessas iniciativas. Somente com um esforço coletivo será possível garantir que a literatura brasileira continue a se expandir de forma inclusiva, refletindo a rica diversidade de seu povo.
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