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O Sábado é um dia sagrado para os que, como eu, professam a convicção religiosa do judaísmo.
Éramos – e ainda somos – raros os judeus nessa linha equatorial. Nossa Sinagoga era nômade, como nômade foi o povo judeu por longa quadra. Um tempo o templo – sinagoga - era na casa do vô Naftali, pai do papai. Em outro tempo, na casa de Seu Jayminho, e, em outro, na casa do tio Moysés Zagury, irmão da mãe do papai, minha vó. Mas, em 23 de fevereiro de 1985, exatamente um sábado, a vida de Macapá foi covarde e impiedosamente obstruída por imprevistas e indeterminadas dores, todas sinceramente dilacerantes, ladras de nossas mais sagradas energias. Desde lá, atônitos, penteamos permanentemente os cabelos do tempo, aplicamos um leve laquê no vento, e deixamos as frutas em estado de vez.
Lá, naquele tempo, depois do que aconteceu, não havia apetite ou oração. Então, soldamos o sol ao meio dia. A lua, soldamos à meia noite. Nos sobrou a dor. Impossível não ter sido assim. Foi por isso que agendamos, naquele sábado e em todos os sábados do mundo, sem tréguas, nossa identidade em Fátima Diniz, morta em covardia solenemente conspirada por um idiota qualquer.
Esse drama me fez desejar Macapá - e nunca imaginei desejar isso, mas, sim, desejei - feito uma serpente a inocular nossa ira nos olhos do algoz. Ou, uma misteriosa navalha, navalha cega, pronta para proibir os mesmos idiotas olhos, carrascos de nós e de Macapá. A ausência de luz, pensei, seria o castigo próprio, se é que existe castigo próprio para tão atroz indignidade. Macapá pôde estranhar meu desejo naquele dia, mas não há serenidade diante do abismo da cólera.
Agora, quase quarenta anos depois, Macapá e o Amapá, permanecem exaustos. A dor não se exaure assim, com o tempo. A dor, embora respeite a finitude da vida, não se contenta quando os idiotas as fabricam. Faço esse breve testemunho em homenagem ao seu João, D. Dalva, in memoriam, ao Américo e ao Chico.
Ruben Bemerguy é advogado e membro da Academia Amapaense de Letras.
Linda homenagem e belo texto para reflexão.