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Foto do escritorSilvio Carneiro

Favelart, de Jojo Dieira


A arte que nasce nas periferias não pode mais ser vista apenas como um reflexo da realidade das classes populares. Estas expressões de arte precisam ser vistas a partir de seu viés de subversão, de resistência contra a invisibilidade imposta por uma sociedade marcada pela desigualdade. No Brasil do século XXI, a periferia não pode mais ser vista como um lugar de falta, mas como um celeiro de criatividade e de potência. Um espaço onde o que é considerado "fora do padrão" ou "marginal" se transforma em uma forma de arte inovadora e rica em significados.


É o que o poeta e ativista paulista Sérgio Vaz chama de "antropofagia periférica" — uma releitura do movimento modernista de Oswald de Andrade, que propunha uma devoração criativa das influências externas. É a maneira que os jovens artistas das periferias do Brasil se apropriam da cultura dominante (opressora), transformando-a em algo novo, genuíno e, acima de tudo, autêntico.


E quando todo um estado — enquanto unidade da federação — é considerado periférico? Até que ponto isso impacta a vida de quem faz arte nesse lugar? Desde sempre, o Brasil se divide em “grandes centros” ou “eixos Sul e Sudeste” e o “resto”. Mais de 500 anos depois da invasão dos portugueses, só agora a região Centro-Oeste está começando a “aparecer” com o agronegócio, enquanto o Nordeste é apenas o lugar das praias e o Norte... bem, o Norte é aquele lugar que só tem “índio” e jacaré cruzando a rua.


Daí a importância de um livro como Favelart, de Jojo Dieira (Filartt; 2024), que traz a história de Asafe Silva, um jovem artista preto, pobre e periférico que transformou sua arte marginal em símbolo de resistência e insistência para realização de seus sonhos. O breve conto traz uma linguagem simples e dinâmica. O livro tem cores vivas na capa e nas páginas internas, ainda que tenha a maior parte impressa em preto e branco.


O livro está dividido em três partes: Tema, Forma e Conteúdo. Em Tema, a infância e a adolescência do protagonista saltando por entre as passarelas das palafitas, tentando conseguir como prêmio uma pipa cortada no cerol dá as cores que colorem os grafites do adolescente que sonha em ser artista e embelezar o mundo com a sua arte. “Será que um dia ele conseguiria?” — questiona o narrador.


Em Forma, o protagonista literalmente toma “forma” de artista marginal, com a certeza de que “uma pessoa é capaz de revolucionar nos intervalos do tempo da vida”. E ainda mais: o artista busca no seu meio a forma de se expressar através de sua arte. Observava a vida à sua volta e tentava achar aplicabilidade para o conhecimento que absorvia da academia.


Finalmente, em Conteúdo, o protagonista está pronto para mostrar sua arte ao mundo, “do coração da periferia, a todos os cantos da cidade”.


Jojo Dieira consegue criar uma metáfora que retrata a vida de todo jovem de periferia — seja as periferias dos grandes centros, seja as periferias ainda mais periféricas do norte do Brasil. O curioso é que, apesar da jovem escritora se utilizar do conceito da "antropofagia periférica", de Sérgio Vaz, ao terminar a leitura de Favelart a impressão que fica é de um movimento inverso, isto é, uma "antropofagia burguesa", como aquela de Oswald de Andrade, onde hoje, é o centro que devora a periferia.


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