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O FINADO CABRESTO | José Fernandes

Foto do escritor: Silvio CarneiroSilvio Carneiro

A lenda da alma penada do “Finado Cabresto”, foi uma das que mais me meteu medo quando eu era criança, não sei se porque eu já nascera mesmo medroso, ou se pelo fato de quando mamãe narrava essas histórias, com aquele jeito tão peculiar, fazia a assombração parecer que estava presente entre nós, naquele lugar.

 

Sinceramente, até hoje me pergunto de onde mamãe tirava tantas histórias macabras, de almas penadas, visagens, assombrações, dentre outras fantasmagóricas, fazendo com que elas criassem vida.

 

Era como se a gente estivesse vivendo aquela realidade naquele momento, aumentando, em muito, a percepção de susto e medo, e cada vez que ela contava a mesma história, criava novos detalhes e contornos, mais apavorantes ainda.

 

Você, caro leitor, pode até pensar que esta lenda seja mais uma das histórias fascinantes do folclore gaúcho, originária do Rio Grande do Sul, mas é aí que você se engana, pois de acordo com mamãe, o “Finado Cabresto”, realmente existiu e era morador da região dela, sendo vizinho de um antepassado seu e esse outro lá do Sul, não tem nada a ver com o dela, apesar de parecidos.

 

De acordo os relatos de mamãe, o “Finado Cabresto”, viveu no início dos anos de 1900, era um famoso vaqueiro, que se notabilizou por sua bravura, coragem indômita, e agilidade no laço e adestramento de animais bravios, durante o período de expansão das fazendas de gado, na região em que ela morava, aqui no norte do Brasil.

 

Como ela não cansava de contar e repetir, Cabresto era um vaqueiro habilidoso e respeitado, conhecido por sua coragem e destreza. Após sua morte trágica, seu espírito não descansou.

 

Cabresto começou a aparecer para as pessoas que costumam sair à noite, para farrear, sempre por volta da meia-noite, geralmente durante tempestades, montado em um cavalo branco, simbolizando pureza e força.

 

Com uma corda de couro (o verdadeiro cabresto) nas mãos, de onde vem seu apelido, representando controle e autoridade, fazendo gestos com as mãos como querendo laça-los, incutindo medo e pavor, alertando a todos dos perigos ocultos na escuridão noturna.

 

Cabresto era uma pessoa respeitada e querida na comunidade, conhecido por sua habilidade com os cavalos e sua bondade com as pessoas, sendo capataz de uma grande e famosa fazenda de gado da região.

 

No entanto, apesar de ser bastante querido por todos, existia um vaqueiro, que tinha inveja de Cabresto, pois queria assumir o cargo dele, acreditando que ele havia lhe roubado a função de capataz.

 

A inveja foi crescendo gradativamente, em decorrências dos eventos em que Cabresto era celebrado pela suas façanhas e habilidade com os animais, até chegar ao ponto de não suportar a presença dele (de Cabresto), porém, dissimulava ser seu amigo e o bajulava o tempo todo.

 

Essa pessoa era um tal de “Algodão” (simbolizando maciez, conforto, suavidade, brandura, delicadeza e principalmente, esperteza, ao contrário da corda do cabresto, rústica, que era feito de couro cru), nome, com certeza, criado por mamãe, para identificar o desafeto de Cabresto, sendo ele também um excelente vaqueiro, só sendo superado no manejo do laço pelo capataz, daí o crescente e profundo ressentimento contra este.

 

Esse tal de “Algodão”, que havia sido despedido por Cabresto em função de sua reiterada má conduta, por maus-tratos aos animais, havia jurado vingança contra o tão famoso e prestigiado capataz e, em uma noite escura, chuvosa, com muitos raios e trovadas, quando um grupo de vaqueiros estava agrupando um rebanho, tentando conduzi-lo para um lugar seguro e seco, ele se aproveitou da oportunidade para matá-lo.

 

“Algodão” ficou o tempo todo nos pés de Cabresto, não tirava os olhos dele para nada, esperando o momento certo para dar cabo a sua macabra empreitada, até que, o capataz se afastou um pouco dos outros vaqueiros, para buscar uma rês desgarrada. Vendo o instante propício, se aproximou sorrateiramente e lhe desferiu vários golpes mortais de facão.

 

Cabresto, sendo pego de surpresa, pois estava concentrado no seu labor, desavisado, ainda tentou se defender, mas em vão, pois, “Algodão”, era mais forte e mais cruel. Ele matou o capataz com uma brutalidade que chocou a todos que souberam da história.

 

A notícia do assassinato do famoso vaqueiro Cabresto se espalhou rapidamente pela comunidade e todos ficaram chocados e tristes. O capataz era um homem bom e não merecia morrer de forma tão cruel.

 

Algodão foi preso e condenado por seu crime, de acordo com os relatos de mamãe, mas a justiça não pôde trazer o Cabresto de volta. Sua morte foi um golpe duro para a comunidade e sua memória ainda é lembrada com respeito e admiração.

 

Desde então a alma do “Finado Cabresto”, aparece em busca de vingança, bem como, alertando as pessoas para tomarem cuidado com aqueles que fingem ser seus amigos e na primeira ocasião os abandonam e os traem, pois se não tomarem cuidado irão para onde ele foi.

 

Geralmente a alma do “Finado Cabresto”, aparece sozinha, mas em certas ocasiões, principalmente quando tem um grupo de jovens desvairados, fazendo algazarras, perturbando as outras pessoas, ela vem em companhia de outros vaqueiros, seus companheiros, numa visão sobrenatural, enquanto cavalga pela noite em seu cavalo branco.

 

A visão é a repetição do momento em que foi assassinado, sendo um rebanho de touros em chamas, provocadas pelos raios, clareado pelos relâmpagos e nesses momentos dá para ver as ferraduras de aço em brasas, aumentando mais ainda o pavor, galopando sem direção pelo céu, seguidos por seus amigos vaqueiros, igualmente flamejantes, que parecem estar condenados a uma eternidade de perseguição.

 

Como todas as histórias de mamãe, está também, carrega uma mensagem profunda para reflexão, sendo que a imagem do “Finado Cabresto”, sozinho ou acompanhado dos vaqueiros, seus companheiros, e dos animais em chamas, simboliza a condenação e o purgatório, já que Cabresto vagueia à procura de vingança.

 

As labaredas de fogo simbolizam o tormento que estão passando para expirar seus pecados, enquanto o vaquejar incessante, representa a impossibilidade de escapar do próprio destino, servindo como um aviso aos desavisados, inconsequentes, que se não mudarem seu estilo de vida, se não atentarem para as falsas amizades, eles também estarão condenados a esse destino terrível.

 

Apesar de sua pouca instrução escolar, a mensagem que mamãe passava com suas histórias era sempre clara: a vida de excessos e desordem pode levar a consequências espirituais severas.

 

As tentativas do “Finado Cabresto”, em laçar as pessoas era é um chamado à reflexão e à transformação, alertando o rueiro para que mude seu caminho antes que seja tarde demais.

 

As pessoas devem refletir sobre o tipo de vida que estão levando, de orgias, festas, bebedeiras, as falsas amizades e as consequências de suas ações e ao errar o laço, era o oferecimento de uma nova oportunidade para a redenção e a transformação pessoal.

 

Obs: Quando eu era criança, tinha tanto medo dessa alma penada, que não saía à noite de jeito nenhum, até mesmo quando mamãe me pedia para ir à mercearia comprar alguma coisa para ela, eu, mesmo sendo obediente, me recusava, e sendo obrigado, “ia correndo e voltava voando”, espavorido de medo, o tempo todo rezando para que a alma do “Finado Cabresto” não aparecesse para me assombrar.

 

Eu era tão ingênuo e medroso, que não me dava conta de que cabresto é apenas um pedaço de corda, usada para laçar os animais, como bois e cavalos, e que com o tempo a corda vai apodrecendo, até chegar ao ponto de se esfarelar, daí dizer finou-se, nada mais que isso. Apenas um pedaço de corda apodrecida, nada de alma mau assombrada. Somente depois de adulto, foi que refletindo pude perceber o quanto essas histórias de mamãe influenciaram positivamente a vida de toda a nossa família.

 

Por outro lado, não sou o único ingênuo e medroso com essa história de “Finado Cabresto”, já que existem versões dessa lenda no Uruguai, conhecida como "El Cuero", na Argentina, sendo ligada ao folclore gaúcho argentino, no Paraguai, também fazendo parte do seu rico folclore, e em diversas regiões do Brasil, em algumas dela, conhecida como "O Vaqueiro Fantasma".

 


José Fernandes é advogado e jornalista.

2 Comments


Nogueira
Feb 23

Um belo conto que nos leva à reflexão, de forma clara e precisa, como funciona a Lei de Causas e Efeitos. O plantio não é obrigatório, mas a colheita é.

Apesar do assombro causado pela imaginação juvenil, o mais importante foi o objetivo moral embutido no enredo.

Gratidão por compartilhar!

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Guest
Feb 23
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Obrigado meu nobre causídico.


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