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O HOMEM SEM CABEÇA DA QUARESMA | José Fernandes

  • Foto do escritor: Silvio Carneiro
    Silvio Carneiro
  • 27 de mar.
  • 6 min de leitura

 

Bem meus caros leitores, esta história que será narrada, apesar de não constar nas lendas de mamãe, no entanto, é resultado da massificação em nossas mentes das ideias dela, pois senão vejamos:

 

Como já disse inúmeras vezes, mamãe, para nos criar no bom caminho, recorria a histórias horripilantes de assombrações e almas penadas, que nas noites, principalmente, às sextas-feiras 13 da Quaresma ou outras datas importantes do calendário católico/cristão e crenças populares, saíam vagando em busca de pessoas incautas, para enfeitiçar, encantar, e assim, pagar seus pecados, ou trazer outras almas para penarem junto a si.

 

Pois bem, de tanto ouvirem essas narrativas horripilantes de almas penadas e seres encantados, meus irmãos mais velhos, não eu, porque, como já disse, nasci com medo, à medida que cresciam (envelheciam) iam percebendo que tais histórias de mamãe, eram fantasiosas, e não condiziam com a realidade, sendo criações dela, para que eles (nós), não saíssem á noite.

 

Acredito, que já disse que meus irmãos, apesar de bastante novos, até na pré-adolescência, por necessidade, começaram a trabalhar como vendedores ambulantes (camelôs), sendo que naquela época não existia tal denominação. A bem da verdade, começaram como vendedores de jornais e aos poucos, foram migrando para camelôs.

 

Pois muito bem, depois de um dia puxado de trabalho, expondo seus produtos a um público que não queria comprar nada, meu irmão só queria mesmo era retornar para sua casa com o básico alimentar.

 

Esse meu irmão, que acredito, agora, que tinha puxado a coragem para mamãe (brincadeirinha, KKK), pois apesar de tantas histórias de assombrações e depois de um longo e penoso dia trabalho, ainda queria sair para farrear.

 

Na verdade, ele até que não era muito rueiro, mas tinha um grupo de amigos que o arrastava, que gostava de estar na farra para no dia seguinte ficarem comentando a ressaca e o que aprontaram na gandaia, um fazendo pouco da cara do outro.

 

E esses amigos, sempre influenciavam os outros, e meu irmão, instigado pelos companheiros de trabalho, apesar de não ser o mais velho, tinha o dom de liderança e arrastava os demais.

 

O meu irmão mais velho, ao invés de liderar, se deixava comandar pelo segundo, e assim a vida seguia seu rumo.

 

Então, prosseguindo com a narrativa, esse meu irmão do meio, muito afoito, apesar de cansado do longo dia de trabalho como camelô no centro da cidade, chegando em casa, por volta das nove da noite, influenciado pelos amigos de gandaia, ainda queria sair para farrear, pois já haviam programado uma festa, ele e um outro irmão de criação, postiço.

 

E dessa forma, esse meu irmão conta que, em certo dia 13, sexta-feira de Quaresma, já depois das onze horas da noite, mesmo depois dos enormes conselhos de mamãe, que mais pareciam sermões, apesar do monte de histórias de assombrações do período da Quaresma, almas penadas, purgatório, decidiu sair para a farra.

 

— Não vá, meu filho. – Disse mamãe, segurando no braço dele, e emendou:

 

— Apesar de luar, está uma noite escura, perigosa e está com jeito de que vai chover bastante. Olhe, meu filho, por você mesmo! Veja a quantidade de nuvens encobrindo a lua. Veja quantas nuvens densas anunciando tempestade, sem nenhuma estrela, propícias para assombrações. – Deu uma pausa, para que ele olhasse o céu.

 

— Além disso. – Continuou mamãe — As almas penadas estão soltas por aí, ainda mais na semana da Quaresma.

 

Mas ele, não estava preocupado com histórias de fantasmas e assombrações, estava mesmo era afoito para espairecer e se divertir com seus amigos, então, ignorou as advertências de mamãe e saiu para a festa.

 

Quando por volta da meia noite, já próximo do local da festa, andando em uma velha e estreita ponte de madeira, caindo aos pedaços, rangendo a cada passo que dava, devido ao precário estado de conservação e aos pregos soltos. Isso de acordo com a narrativa de meu próprio irmão.

 

— A noite estava escura e silenciosa, e a ponte de madeira que eu estava atravessando, parecia ainda mais assustadora do que o normal, mesmo com o clarão da lua de vez em quando entre nuvens, eu tinha que caminhar com muito cuidado, pois havia muitas tabuas soltas, bem como faltavam algumas e qualquer descuido a gente poderia findar caindo dentro do lago. – E emendou — Apesar de tudo isso, eu estava determinado a chegar à festa, mesmo com toda a escuridão, então continuei em frente e a passarela rangendo a cada passo que eu dava.

 

Quando de repente, do nada, surge uma figura de um homem, ainda bem distante, vindo em sua direção, caminhando um tanto quanto desajeitado, parecendo que não enxergava direito e ia tateando as tábuas com os pés.

 

Na medida que aquela figura se aproximava, ele foi percebendo alguns detalhes que não se encachavam direito, uma das mãos levantada acima do ombro, como se segurasse alguma coisa na cabeça.

 

Foi aí então, que meu irmão percebeu que o homem não tinha cabeça, ficando totalmente paralisado, um frio vindo do espinhaço, percorreu todo seu corpo, em virtude de tamanha assombração.

 

No lugar da cabeça escorria um líquido avermelhado, como se fosse sangue vivo, cada fio de cabelo eram rios de sangue gotejantes, como se a cabeça tivesse sido decapitada naquele momento, gerando uma sena dantesca e horripilante.

 

— Saí correndo em desembalada carreira, mas quanto mais eu corria mais o homem sem cabeça se aproximava de mim.

 

Claro, pois ambos caminhavam em sentido contrário, indo um ao encontro do outro.

 

Relatou meu irmão, sofregamente, assim que chegou em casa, todo molhado, sujo de lama e espavorido de medo, tremendo da cabeça aos pés feito uma vara verde exposta ao vento.

 

— Até que tropecei e cai em um vão das tábuas da velha ponte, quando o homem sem cabeça chegou perto de mim, me pegou pelos braços tentando me tirar do buraco, eu gritando como um louco pedido socorro e o homem sem cabeça, me agarrando forte, me puxava do buraco.

 

Na verdade, meu irmão, nem tentou correr, pois estava paralisado de tanto medo, e quando a figura se aproximou muito dele, meu irmão, em desespero, deu um passo em falso, caindo todo desajeitado em um vão de tábuas soltas da ponte, ficando entalado.

 

Quanto mais o homem sem cabeça tentava tirá-lo do buraco, mais meu irmão se segurava nas tábuas para não ser carregado pela assombração. Ele desesperado gritando por socorro e o homem sem cabeça se esforçando para desentala-lo, até que a assombração disse:

 

— Calma, pare de gritar, que eu estou aqui para lhe ajudar, se continuar gritando desse jeito, vai findar acordando toda vizinhança.

 

— Não me faça mal, eu sou uma boa pessoa, sou um filho muito obediente.

 

— O que é isso? Pare de gritar que não sou surdo.

 

E meu irmão continuava aos berros, pedindo socorro e se agarrando onde podia, para não ser carregado por aquela alma penada

 

— Pelo amor de Deus, não me faça nenhum mal, eu prometo que de hoje em diante, vou obedecer, mais ainda minha mãe, vou ouvir, mais ainda, seus conselhos. – Prometia meu irmão se pegando com todos os santos que conhecia e até com aqueles que não conhecia.

 

Estava em completo desespero, pensando que estava prestes a ser arrastado para o inferno. Mas então, o homem sem cabeça se aborreceu, largando as mãos de meu irmão, disse em voz alta, quase gritando, um tanto quanto rude:

 

— Se não quer ser ajudado, tudo bem, mas nunca vi um homem, ter medo de outro homem.

 

Nesse momento, a lua apareceu por traz de uma nuvem, clareando tudo com sua luz e meu irmão, viu claramente que, aquela visagem não tinha nada de sobrenatural, era apenas um homem carregado uma lata cheia de caroços de açaí na cabeça, e o que escorria, era na verdade, a borra dos frutos que acabara de serem batidos.

 

Então ele ficou paralisado novamente, pois, além do medo que estava sentindo agora, ainda piorou com a vergonha de parecer medroso, além de ofender uma pessoa que só queria ajudá-lo.

 

Um tanto quanto sem jeito, disfarçando, começou a rir, um sorriso amarelo, todo acanhado, o homem percebeu e começou a rir também.

 

Meu irmão, ainda se borrando de pavor, aproveitando a companhia, desistiu de ir para a festa, até porque estava todo enlameado, e retornou para casa, e juntos, os dois atravessaram a ponte, com a lata de caroços de açaí balançando na cabeça do homem e a ponte rangendo a cada passo.

 

Mesmo depois de muitos anos, meu irmão, ainda se lembra:

 

— Eu nunca mais esquecerei aquela noite, e sempre me lembrarei de que às vezes, as coisas não são bem o que parecem.

 

 

José Fernandes é advogado e jornalista


 
 
 

2 Comments


Guest
Mar 28

O medo já estava impregnado na gente. KKKKKKKKK

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Iran
Mar 28

Kkkkkkkkkkk é bom lembrar e imaginar as cenas.

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