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Perfil | Joãozinho Gomes

  • Foto do escritor: Silvio Carneiro
    Silvio Carneiro
  • 3 de ago. de 2024
  • 6 min de leitura

Joãozinho Gomes é um nome que ressoa com poesia e música, e sua trajetória artística é um verdadeiro tesouro da Amazônia.


Nascido na capital Belém, no Pará, em 20 de outubro de 1957, desde cedo, ele demonstrou afinidade com as palavras e a poesia. Aos 12 anos, já havia escrito algo que ele “imaginou ser um poema”. Essa intuição precoce o guiou para o mundo da criação literária e musical. Sua carreira é marcada por uma combinação rica de poesia e música.


Joãozinho é considerado um dos mais eminentes poetas e letristas do cenário litero-musical brasileiro. Ele compôs mais de quinhentas músicas, muitas delas em parceria com artistas consagrados.


Entre suas composições, duas se destacam como expressões profundas do seu coração:


“Jeito Tucuju”, escrita em parceria com Val Milhomem, é uma declaração de amor eterno ao rio Amazonas. Quem já avistou o majestoso Amazonas e sentiu transbordar de amor, compreende o jeito de ser do povo dessa região.


“Pérola Azulada”, com Zé Miguel, é uma ode à Terra, nosso lar. “Eu amo você, terra minha amada, minha oca, meu iglu, minha casa. A bênção, minha mãe” – assim ecoa a poesia de Joãozinho Gomes.


Há trinta e três anos, Joãozinho Gomes escolheu o Amapá como sua morada. Sua presença enriquece a cena cultural e literária do estado, e sua poesia continua a encantar aqueles que têm a sorte de conhecê-la.


Joãozinho Gomes é um verdadeiro orgulho da Amazônia, e sua arte transcende fronteiras, conectando-nos à riqueza da floresta e à alma brasileira.

 

Entrevista


O Zezeu: Como você descreveria sua jornada como poeta compositor?

Joãozinho Gomes: Contínua, às vezes espinhosa, outras vezes florida, mas, na soma de tudo, prazerosa e necessária, tanto para mim, quanto para outrem, e para o mundo o qual habito, creio; sua finitude está ligada à minha morte.


OZ: Quais são suas principais fontes de inspiração para escrever poesia?

JG: Inspiração é uma palavra mágica, bonita, sonora e de enorme significado para a literatura universal. Para muitos é a palavra que significa toda a capacidade criativa do artista; porém, eu nunca me vi diante de tamanha divindade, se algum momento ela veio a mim ou por mim passou, eu não a percebi. Os meus momentos criativos sempre exigiram de mim esforços hercúleos, eu enfrento muitas dificuldades em instantes de criação e, isso me leva a descrer na inspiração como a luz divina que traz às claras o poder da criação. Se inspiração existe, mesmo, e de alguma forma vem a mim e me auxilia, a principal fonte desta é a transpiração exaustiva.


OZ: “Amém” e “Sem Uma das Asas” são poemas inéditos que abrem a antologia Muruwakã – Poetas do Amapá. Poderia compartilhar um pouco sobre o significado desses poemas?

JG: Sim, são poemas inéditos que além da publicação na Antologia Muruwakã – Poetas do Amapá, também serão publicados no livro que estou escrevendo, O Cerne da Pedra, o qual será editado pela Editora O Zezeu, em breve. Você me pede para compartilhar um pouco o significado dos dois poemas; pois bem, o poeta sabe pra quê e por que ele escreve o poema, mesmo que seja o poema estruturalmente complexo, o poeta sabe para qual tempo e espaço o direciona; e no meu ponto de vista, o poeta pode, mas, não deve esmiuçá-lo, sob pena de torna-lo mero.


OZ: O Pará e o Amapá são dois estados que possuem relação muito próxima. O Amapá fez parte do Pará antes de emancipar-se. Claro que, historicamente, essa relação nem sempre foi pacífica e até hoje, muitas vezes, se percebe uma rixa entre amapaenses e paraenses. E você é um paraense que escolheu o Amapá como morada. Como você vê a relação entre sua poesia e a cultura amapaense?

JG: Neste momento a minha existência está equidistante entre os dois estados, pois, tenho sessenta e seis anos, dos quais trinta e três eu vivi em Belém, cidade onde nasci, e vivo em Macapá a trinta e três anos, cidade que me adotou. Quanto à rixa entre os dois estados; de vez em quando, aparece alguém, que de modo inconsequente tenta atiçar uma rivalidade entre dois povos que historicamente estão ligados, povos que se gostam e se assemelham; eu afirmo por aí, quando me indagam sobre isso, que o Amapá e o Pará são os estados mais unidos da federação, e são mesmo! Eu sempre vou defender isso.  Não permitam que intrigas afetem a ótima relação entre povos irmãos, por favor! Respondendo como me relaciono entre a minha poesia e a cultura amapaense: a minha poesia não pode mais ser descolada da cultura amapaense, por isso a minha relação é amorosa e dedicada a cada coisa que se refere a essa cultura, que têm em minha poesia, mesmo algumas vezes de modo subjetivo, uma voz capaz de cantar a sua desenvoltura para o mundo.


OZ: Quais temas são recorrentes em sua poesia?

JG: Temas recorrentes em minha poesia; nos três livros "A Flecha Passa e poemas diVersos", "Sendas de Àpacam" e o "Cerne da Pedra" que formam a trilogia, A Tríade, a mitologia grega, e uma nova mitologia amazônica, está criada ao longo do processo de criação das referidas obras, tornam-se recorrentes dentro desse processo. Agora, quando escrevo letras para canções, aí são recorrentes as preocupações sociais e ambientais.


OZ: Você usa um recurso em seus poemas que, particularmente eu gosto muito, que são os jogos de palavras. Às vezes você brinca com palavras de sonoridade semelhante, às vezes você mescla significados de palavras dissonantes... Seus poemas têm alguma técnica específica, pensada com um propósito ou a sua escrita é algo mais instintivo e surge naturalmente?

JG: Eu sempre preferi o ritmo, sou adepto do ritmo, a poesia que me agrada não é a poesia que expõe a ideia, e sim, a poesia que pulsa, que trepida, que chega com versos embaralhados, acho que é Mallarmé que diz que poesia não faz com ideia e sim com palavras, concordo plenamente. Sinto que a minha poesia desagrada alguns leitores – muito diferente das minhas letras que agradam muitos ouvintes – justamente por causa da maneira rítmica e aliterada que ela é escrita, creio. O poeta José Inácio Vieira de Melo percebeu algo na minha poesia, que talvez esclareça esse desconforto que supostamente ela entrega aos leitores; diz José Inácio no prefácio que escreveu para o livro Sendas de Ápacam: “Habitante da respiração, Joãozinho lavra com sua palavra, no solo do verso, o verbo que verte a seiva da vertigem”; de fato, eu já me deparei com versos, em alguns de meus poemas, que ao serem lidos sem interrupção, afetam a respiração de modo a incomodar. A técnica que tenho foi adquirida com a prática, leitura e escrita são os meus exercícios, o ritmo da minha poesia é totalmente intuitivo.  


OZ: Além da poesia, você também é compositor. Como essas duas formas de expressão se entrelaçam em sua vida?

JG: Não se entrelaçam, há uma convivência paralela, a música me ocupa muito mais do que a poesia, porque a música me leva a dividir a minha criatividade e o meu tempo com muitas pessoas, quer dizer, as demandas são inúmeras, eu tenho quase uma centena de parceiros, e desse montante, tem uma parte, que como eu, não para de trabalhar, então, sempre chegam canções para eu fazer as letras, ou pedidos de letras para serem musicadas, e no meio disso tudo tem as cobranças, as pressões etc. já a poesia, sou eu e eu (rsrs)... É mais tranquilo.  


OZ: De uns anos pra cá, principalmente depois do surgimento dessa enxurrada de redes sociais na internet, parece que passamos a viver uma vida mais vazia de imaginação e significado. Tudo vira meme, polêmica ou vídeo de gatinho. Você acredita que ainda há lugar para poesia na literatura contemporânea? As pessoas ainda param para apreciar poemas? Quais são os desafios enfrentados pelos poetas contemporâneos hoje?

JG: As redes sociais que chegaram via internet, são espaços democráticos, onde tremulam as bandeiras do bem e do mal, né? Mais do mal do que do bem, no meu ponto de vista. Através das redes sociais, a voz da estupidez consegue ecoar e agredir de forma impiedosa tudo o que se move em direção a que Deus, verdadeiramente, aponta como a salvação da humanidade, e pasmem; essa voz terrível, diz que brada em nome de Deus. Agora, há pontos muito positivos na internet e suas redes sociais, e é por aí que eu vou. Eu acho extraordinário você acabar de criar uma peça artística, e poder mostrá-la a milhares de pessoas, imediatamente, isso é instigante, é fascinante. Quanto a acreditar se ainda há lugar para a poesia na literatura contemporânea, claro que acredito! A verdadeira poesia sempre teve, e sempre terá o seu lugar no mundo, acho que a poesia é a única arte que se mantém dignamente intacta perante as garras destrutivas do capitalismo, por exemplo; e se assim for, é mais do que motivo para acreditarmos que a poesia é para sempre.


OZ: A Antologia Muruwakã – poetas do Amapá faz uma singela homenagem a você e você nos presenteia com dois poemas inéditos, “Amém” e “Sem Uma das Asas”. Esta obra marca o início das atividades do Zezeu como editora, além desta revista literária. Como fazedor de arte da palavra, qual a importância de uma editora aqui no estado?

JG: É fundamental para o segmento literário, não só amapaense, mas, também, amazônico. O Zezeu trará uma nova perspectiva para os nossos escritores, que terão, enfim, uma editora genuinamente amapaense. Chega com o propósito de editar, mas não editar por editar, e sim, editar com esmero, com competência e, sobretudo com a qualidade que todo o autor sonha ter em suas obras. Vida longa ao Zezeu. Eu estou muito lisonjeado pelo importantíssimo convite e, sou muito grato pela honrosa homenagem.



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