Dedicar o mês de janeiro para ler poetas radicados no Amapá reforçou em mim a compreensão da qualidade dos nossos artistas, sejam aqueles que já estão na estrada há algum tempo ou aqueles que iniciaram essa jornada recentemente.
Talvez essa seja a diferença fundamental entre Tiago e Camila, dois escritores por quem eu, pessoalmente, tenho muita admiração. Tiago é membro de nossa Academia de Letras e dono de um currículo robusto na literatura, que encampa inúmeras publicações. Camila, por outro lado, é uma estreante, tendo publicado seu primeiro livro no segundo semestre de 2024.
De ti só sobrou a saudade – Camila Baia
O encantamento da autora com a literatura não é de hoje, mas foi através do grupo de leitura Café com Letras que ela se sentiu encorajada a publicar[1]. Motivada pelo Café, Camila reuniu suas poesias neste lançamento de 2024 que aborda a glória e a dor de amar alguém e ter que ver essa pessoa partir. O livro reflete uma escritora corajosa ao se dispor de suas armaduras, mostrando-se vulnerável e imersa em conflitos.
As poesias reunidas da autora soam como um desabafo a um amigo. Camila repousa no ombro do leitor e compartilha com ele suas histórias de forma simples, como alguém que descreve sua rotina diária:
“(...) se tomo uma água de coco lembro de ti (pg. 14)”
“Estava escrito que você iria olhar pra mim naquela reunião sobre a rifa da festa junina” (pg. 35)
A jornada de superação presente no livro aponta para uma narradora que não tem receios ao expor seu processo de amadurecimento emocional. Se em “Depois de você” ela se mostra em negação, incapaz de seguir em frente após a partida de seu amado, em “Eu prometo cuidar de mim”, último poema do livro, o leitor consegue compreender que a ausência que a afligia foi expiada através dos poemas antecedentes.
Breve conversa com a autora
Jerrison: Camila, “De ti só sobrou a saudade” é teu primeiro livro lançado. Quais eram tuas expectativas antes da publicação e o que se concretizou ou não depois do lançamento.
Camila: Às vezes ainda nem caiu a ficha rsrs. Mas, vamos lá, passar por uma chamada de editora e ter meu primeiro livro aceito me fez acreditar no meu potencial para a escrita, porque eu realmente tinha várias dúvidas, além disso foi um divisor de águas, digamos assim, pois eu escrevo a bastante tempo, mas escrevia pra mim, agora, no entanto eu sinto a necessidade de continuar escrevendo para que outras pessoas possam ler.
Terra Caída – Tiago Quingosta
Fechamento de sua trilogia poética iniciada por Foz Florescente (2013) e Aluvional (2022), Terra Caída (2024) reúne a mais recente antologia poética de Tiago Quingosta na qual, mais uma vez, seu estilo se sobressai.
Marcado pelo regionalismo amazônico que lhe é característico, o livro abarca uma variedade de temas que percorrem desde relatos íntimos até potentes críticas sociais. Além disso, há uma forte contemporaneidade em Terra Caída. É visível que o autor, para além de exteriorizar seus sentimentos, quer interpretar o mundo ao seu redor.
Minha alma é como aquele rio em que a vizinhança joga o seu lixo (pg. 37)
Talvez minha alma tenha encontrado repouso num domingo qualquer, numa cadeira de balanço, na beira da estrada, sem nenhuma mulher (pg. 48)
Há outra característica presente na obra que se sobressai: sua escrita inteligente. Tiago sabe jogar com palavras, utilizando em suas metáforas as riquezas naturais do Brasil como espelho para suas emoções.
Há um cerrado em expansão no meu peito, rastejando onde havia mata fechada.
Há vãos de onde se tiram coisas preciosas e há sangue ao se abrirem novas estradas. (pg. 53)
A Amazônia, em Terra Caída, não é somente fonte de inspiração e meio para se adornar a palavra, mas é, sobretudo, campo de denúncia, luta e resistência. Essa escolha do autor é, para mim, o ponto alto de sua obra.
Breve conversa com o autor
Jerrison: “Terra Caída” é apresentado como o último livro de uma trilogia poética. O que esse encerramento representa pra ti, enquanto autor, e quais as possibilidades de novos inícios consegues vislumbrar?
Tiago: Enquanto autor significa o encerramento de um conceito e marco de uma nova fase, talvez uma chance de mostrar a versatilidade, metamorfose e abrangência do meu trabalho. Vislumbro muitos novos começos, e claro, não é impossível sempre revisitar alguns estilos. Minha literatura é de tendências contemporâneas e sempre tem liberdade de ser como um camaleão.
Caso você se interesse por alguma das obras citadas e queira adquiri-las, seguem os links para entrar em contato com os autores no Instagram:
[1] Aqui abro um breve parêntese para ressaltar o impacto do Café no íntimo dos seus participantes, bem como na cultura amapaense, e muito disso se deve a dedicação e o carinho que sua idealizadora, Soraia Brito, tem com o clube.
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