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SAUDADES DE MINHA "DOMINIQUE" | José Fernandes

Foto do escritor: Silvio CarneiroSilvio Carneiro



Mamãe sempre sonhou com um amor perfeito, como aquele cantado por Soeur Sourire em "Dominique". Lembrava-se da melodia alegre e da letra que falava de um amor puro e verdadeiro. No entanto, a vida teve outros planos e amargos rumos.


Seus olhos brilhavam quando conheceu meu pai, creio que tenha sido “amor à primeira vista”, e ela acreditou que tinha encontrado seu príncipe encantado, que chegou até ela montando regiamente em um cavalo branco, seu “Dominique”.


Mas o tempo mostrou que o amor não era tão simples assim. As promessas não cumpridas, as palavras duras, os silêncios profundos e forçados e o pesado labor diário, para conseguirem o sustento da família, começaram a apagar a melodia do amor, se transformando em violência veladas, psicológicas e principalmente físicas.


Mamãe tentou segurar, mas o desencanto foi crescendo. A realidade brutal, nua e crua, era bem diferente da canção que cantava quando estava realizando alguns trabalhos pesados na roça ou mesmo em casa, sempre sonhando. O amor que imaginava, que tanto desejara e buscara, não existia, e ela se sentiu traída, perdida e profundamente desiludida.


Acredito que mamãe cantava, como se fosse uma espécie de oração, para que acordasse do grande pesadelo em que vivia, nos braços do seu amado “Dominique”, e que o grande amor que nutria por papai, fosse suficiente para aplacar todas as tempestades.


Agora, depois de anos de separados, quando ouve "Dominique", mamãe sorri e chora, num misto de tristeza, solidão, pesar e com saudade, pois continua apaixonada por papai. Com certeza, lembra-se do sonho que teve e do amor que poderia ter sido. Mas também se lembra de que a vida continua, e que o amor verdadeiro pode vir em outras formas.


Ela olhava para mim e sorria. "O amor verdadeiro", dizia, "está nos pequenos gestos, nas palavras de carinho e na presença que faz falta quando não está aqui." Mamãe aprendeu e nos ensinou que o amor não é uma canção, mas uma escolha diária.


E, mesmo que o amor de sua vida não tenha sido o “Dominique” que sonhava, mamãe sabia que o amor verdadeiro ainda existe, em todos os lugares, até mesmo nos cantos mais silenciosos de seu coração.


Agora, já na terceira idade, refletindo sobre as agruras de minha mãe, sobre as enormes dificuldades em nos criar sozinha, sendo pai e mãe, percebo que, na verdade, ela foi a verdadeira “Dominique” para seus filhos.



José Fernandes é advogado e jornalista.


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