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Um capítulo do meu novo romance, que será lançado na Folia Literária Internacional do Amapá 2024 | Lulih Rojanski

  • Foto do escritor: Silvio Carneiro
    Silvio Carneiro
  • 8 de out. de 2024
  • 2 min de leitura


No meio do canteiro principal da praça, havia aquele relógio cujos ponteiros eram plantados no gramado, mas caminhavam com a mesma desenvoltura dos ponteiros dos relógios de pulso e dos relógios das torres das igrejas.

Eu tinha 16 anos e gostava de ficar sentada em frente ao relógio depois da aula, imaginando os mecanismos enterrados para que ele funcionasse, pensando em como o tempo passa depressa e outras bobagens.

Quando os ponteiros iam se cruzando perto do número cinco, ali pelas 17:27, você se sentou no mesmo banco em que eu divagava.

Abriu um pequeno pacote que tirou de um pacote maior, e um sonho açucarado e recheado de creme surgiu como mágica em suas mãos fortes de dedos quadrados. Encostou-se, respirou fundo, como se finalmente tivesse chegado um momento muito esperado, e passou a comer o sonho em pequenas e delicadas mordidas, como se a boca não fosse do mesmo dono dos dedos.

Era a primeira vez que eu via você e tudo em sua figura me pareceu doce, e generoso como todos os doces. Gostaria de ter me virado de frente para ver seus olhos, para admirar o jeito manso de comer, ou apenas para me anunciar sem precisar dizer “olhe, tem alguém aqui”.

Mas você estava tão absorto com seu sonho que sequer me viu. Aquele breve instante foi o suficiente para me lembrar de você quando o vi pela segunda vez.

A tia odiava que eu balançasse na janela a toalha cheia de migalhas de pão do café da manhã. Dizia que era coisa de gente primitiva, que pessoas educadas não jogam farelos sobre a cabeça das outras. Mal sabia ela da evolução da humanidade. E estava coberta de razão, eu concordava com ela com a cabeça e com as melhores palavras, mas quando ela virava as costas, eu abanava a toalha florida na janela frontal do apartamento, e a toalha esvoaçava, esbanjando uma felicidade que só pode ser das toalhas na janela em um furtivo instante de liberdade.

Fui vista por você em flagrante delito, da janela do prédio em frente, assim que lancei a toalha em voo, segurando uma ponta em cada mão. Reconheci-o no mesmo instante em que o vi. Era o moço do sonho.

Aquele primeiro sorriso em seu rosto semeou uma primavera em minha alma e acho que foi naquele instante que nasceu o meu sonho inabalável de possuir asas.

 
 
 

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