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Um minuto | por Jerrison Mota

  • Foto do escritor: Silvio Carneiro
    Silvio Carneiro
  • 3 de ago. de 2024
  • 3 min de leitura



Rolo a tela do celular com o polegar esquerdo, canhoto que sou. Passo para o próximo vídeo antes mesmo que a mais nova influenciadora de magreza ozempic termine de falar. Não é que eu não esteja, de fato, interessado em seu conteúdo — é que me falta tempo. 


Receitas, animais fofos, coreografias, memes antigos e novos. Assim vou passando vídeo após vídeo e, quase sempre, vou para o próximo antes que um singelo minuto se complete. 


Um minuto é tanto tempo assim? Talvez para um vídeo de rede social seja, já que meu ímpeto de devorar a maior quantidade possível deles me impede de concluir sessenta míseros segundos.


Estou no horário de almoço do trabalho. Tenho duas horas para comer, escovar os dentes e me recompor para continuar o serviço. Notei que ultimamente tenho gastado boa parte desse tempo vidrado na tela do meu celular e isso passou a me incomodar.


Tempo é dinheiro, foi o que meu patrão disse, socando o ar aos berros na última reunião coletiva que tivemos. Ele agora é coach e mensalmente reúne seus funcionários para vociferar frases de efeito que, segundo ele, motivam seus “colaboradores”. Meus colegas pulam, gritam, participam das mais constrangedoras brincadeiras e, a atual cereja do bolo: gravam vídeos para as redes sociais para divulgar a empresa. Eu tenho conseguido me esquivar de tudo isso, mas não sei até quando.


Assim que retorno ao trabalho sou avisado de que a gerente de marketing quer falar comigo. Eu suo nas mãos e coço os olhos repetidamente, ansioso, até o momento de encontrá-la — acho que meu momento finalmente chegou —. Quando entro na sua sala, recebo a confirmação: o chefe quer que eu grave um vídeo “curtinho, coisa rápida, um minutinho”, nas palavras da gerente. “Dia do orgulho nerd. Tem tudo a ver com você, com esse jeitão esquisito.”. Que droga!


Voltei para casa pensando em como fugir daquela situação. “Um minutinho”, ela disse. Será que seria tão ruim assim? Afinal, um minuto não é nada. E para falar a verdade, talvez ninguém viesse a se dar o trabalho de ver o vídeo até o final, assim como eu faço todos os dias.


Fui para a cama, cansado, mas os pensamentos não me deixaram quieto.


Um minuto... Eu seria capaz de fazer quantas coisas durante sessenta segundos? Será que um minuto seria suficiente para eu olhar nos olhos da minha mãe e dizer a ela o quanto eu lamento por nunca ter dito o quanto a amo? Seria, também, suficiente para que eu contasse ao meu pai o quão mal ele me fez durante a minha infância e como eu carrego comigo, até hoje, as marcas de suas violências? Ou quem sabe eu conseguiria dizer à minha avó que lamento profundamente pela vida que levou e como eu gostaria de arrancar o sofrimento do seu peito e vê-la envelhecer feliz?


O tempo escorre pelos meus dedos e se penso em domá-lo ele corre ainda mais veloz, como se estivesse a me desafiar, e eu perco todas as vezes. Um minuto é pouco, eu sei. Mas pouco é melhor que nada. Um minuto seria melhor do que o silêncio que escolhi quando você me olhou nos olhos, me dissecou, me pediu para ficar e eu apenas dei as costas, acovardado, com medo. Eu queria este minuto de volta e juro que desta vez eu diria que eu também te amo e que enfrento o que for para ficar ao seu lado. Mas não é possível. O nosso minuto se foi e agora você gasta todos os minutos que te sobraram com um homem que escolheu a voz do amor ao invés do silêncio da covardia.


Quando acordei no dia seguinte, não abri as redes sociais. Fui para o trabalho, cabisbaixo, lembrando, outra vez, de você. Assim que entrei na minha sala havia um celular posicionado em uma haste, em frente a um anel de luz. Coloquei meu melhor sorriso no rosto e gravei o vídeo. Um minuto de duração, exatamente.

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